quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Para 2011, a receita de um gauche.

Texto de Drummond:

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido).

Para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior).

Novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo.
Eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

                                                                                        Carlos Drummond de Andrade

          Por meio deste poema, espero passar a você, leitor assíduo do 'Dimensão Cinema' ou viajante perdido que, por acaso, acabou de achar o blog, uma mensagem diferente neste ano novo. A receita acima, passada por um gênio da literatura, me conforta, apesar do pessimismo característico do autor. Na humilde interpretação que faço, este é um pessimismo um tanto quanto diferente, pois gera, inacreditavelmente, otimismo!
          Explico: Drummond critica nossa sociedade de aparências, a qual vê o ano novo como um período de renovação e por isso apega-se a simbologismos inúteis. Entretanto, após desmotivar qualquer tipo de ritual, simpatia ou crença popular (chame do que quiser), o poeta apresenta ao leitor um caminho muito mais atrativo. Para ele, a mudança pode ocorrer a qualquer momento pois a aparição da mesma depende apenas do próprio ser.
          1º de Janeiro, 12 de Abril, 19 de Agosto, 31 de Outubro ou qualquer outra data que você queira: sempre é tempo de renovar-se. Porém, não pense que, repentinamente, os problemas deixarão de existir. Iludir-se apenas resultaria em um regresso ao antigo padrão. Pense de outra forma e responda a si mesmo, honestamente, qual seria a graça... se não houvesse pedras no meio do caminho?
          O interessante é retirá-las sob novas perspectivas, sabendo que se chamar Raimundo é apenas uma rima... e não uma solução.

Desejo, sinceramente, a todos:
Um ano recheado de experiências únicas, inigualáveis e inesquecíveis. 
Um ano pautado no poder da transformação.
E por fim, um ano de muita arte, seja sua preferência as páginas de um livro ou a tela de um cinema.

Feliz 2011!

P.S.: Dedico esta postagem ao Fernando, em pessoa. Um professor e também amigo, que, durante três anos, os quais, a propósito, pareceram voar, me fez enxergar a beleza da Língua portuguesa, quando usada pelo homem como forma de expressão, existencialmente, na tentativa de entender o mundo e a si mesmo.


Observação: A caricatura que ilustra esta postagem foi retirida do blog linkado ao site oficial do autor.

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